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Sindicarne - Goiás

Noite de frio e medo

No meu tempo de criança, eu era uma sarna. Gostava de especular meu avô para contar-me causos. Normalmente, o pessoal da roça gostava muito de se reunir à noite, cada um contando suas potocas, suas proezas. Enfim, era muito agradável. Os causos de assombração, então, eram os preferidos, apesar da criançada ficar arrepiada de medo e depois tentar dormir pensando naquelas narrações. Eu gostava de um causo e ficava tentando arrancar mais alguma coisa do meu avô.

Certa vez, ele me contou que, quando rapazinho, estava num velório.

Havia morrido um vizinho. A fazenda dos pais do meu avô era longe da cidade. Quando morria alguém, o defunto demorava a ganhar um caixão para ser enterrado. Isso porque alguém tinha que ir até a cidade buscar e a coisa era demorada.

Esse vizinho que morreu era um sujeito muito comprido e magro. A família achou por bem colocá-lo em cima de um banco, esses que normalmente as casas das fazendas têm na sala. São bancos enormes, altos e sem encosto.

Era mês de junho e um frio medonho. Deitaram o defunto no banco, amarraram suas canelas com tiras de pano, cobriram com lençol, jogaram flores e pronto. A noite foi passando, o povo ali reunido. Choros, rezas, cochichos, cafezinho, cigarro de palha, a bruxuleante luz de lamparina e muito frio, um gelo.

Já de madrugada o pessoal continuava ali, contido, naquela sonolência. Com o intenso frio, o defunto certamente ficou mais rígido ainda e forçou as pernas para fora. As tiras que amarravam suas canelas arrebentaram-se, as pernas se abriram e o cadáver praticamente sentou-se no banco, espatifando flores e jogando o lençol. E o povo apavorado abriu no mundo. A porta da sala era de duas folhas de madeira e ficou estreita para a saída, já que só uma estava aberta por causa do frio. Quem deu conta, pulou as janelas. Meu avô, não sabe como, chegou ao terreiro montado nas costas de uma velha, que não sentiu peso algum. Apenas disse:

– Desce, rapáis. Onde eu vô agora, num posso te levá…

E correu para uma moita de bananeiras com dor de barriga e outras necessidades urgentes.

Fala Zé Bu

Luiz Carlos Rodrigues – Jornalista