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Sindicarne - Goiás

Sonho e realidade: Uma prosa com meu avô

Numa ocasião dessas, encontrei-me com meu avô, que faleceu há 30 anos. No sonho, lá estava o velho sentado num tamborete. Calça e camisa de algodão, pernas cruzadas e o chapéu de feltro encaixado na dobra de um dos joelhos. Nos pés, a tradicional botina de goma 40, número esse desde a primeira vez que calçou alguma coisa. Nas mãos, o canivete corneta picando um fuminho e, entre os dedos, a palha para enrolar o pito.

Meu avô é da gema dos Galdino, que mora até hoje nas regiões do Chapadão e do Barreiro, em Catalão. Nasceu e morreu na roça. Ouvia mais e falava menos.

No sonho, iniciamos uma prosa. Ele querendo saber das novidades aqui da terra e o que eu andava urdindo na vida. Contei que atualmente era jornalista e que gostava de escrever sobre as invencionices dos homens para melhorar a vida dos que moram e trabalham na roça sustentando o povão das cidades.

Meu avô pareceu se interessar pelo meu ofício. Sem falar nada, riscou a pedra 90 da sua binga Vospic, acendeu o cigarrinho de palha e me fitou dando a entender que gostaria de saber das novidades. Com um rosário delas, comecei a debulhar uma a uma.

– Sabe, vô, hoje em dia o progresso é uma realidade. As novidades na roça, então, são uma coisa de louco. Imagina o senhor que para se colher um alqueire de milho o carro de bois, que carrega 40 jacás, tem que dar cerca de 60 viagens e não 20, como na sua época, tamanha é a produção atual. Uma vaca pode produzir até 34 bezerros por ano com a fecundação de óvulos enxertados nas vacas com barriga de aluguel.

Nessa hora notei que meu avô deu uma tragada, soltou a fumaça soprando o próprio cigarro, me olhou de novo meio de lado, e continuei.

– Sabe, vô, hoje em dia tem vaca que dá 60 litros de leite por dia ou mais um pouco em três ordenhas. Sabia que tem touro que dá 7 mil reais por dia de lucro para o dono só com a venda de sêmen, e que um pintinho vira frango em 30 dias e não mais em seis meses? Sabia, vô, que hoje em dia a gente come pamonha o ano inteiro e não somente nos meses de dezembro e janeiro?

Nessa altura da prosa, lembrei que meu avô era também um grande criador de porcos e gostava de esnobar o seu plantel de capados. O porco que ele engordava tinha que ter cerca de um palmo de toucinho no cangote. Tentando animar meu avô, contei mais novidades.

– Vô, hoje em dia a criação de porcos está muito adiantada. Imagina o senhor, ninguém gosta mais de porco gordo. É tudo diferente. Quanto menos banha, mais caro no mercado. É o chamado porco light. Outra coisa: o senhor sabia que os porcos de hoje em dia não recebem qualquer um para visita e, quando recebem, o visitante tem que tomar dois banhos para entrar no chiqueiro?

Quando falei sobre mais esse assunto, essa novidade da roça, meu avô deu outra tragada, essa com mais força, atiçou a brasinha do pito de palha com o fundo da binga Vospic, olhou bem na minha cara, e disse:

– Acho que tá na hora do cê vortá lá pro meio desse povo que só sabe inventá moda e contá potoca…

Acordei na hora e olha que nem contei para o meu avô sobre a clonagem da ovelha Dolly e outros bichos.

 

SonhoERealidade

Luiz Carlos Rodrigues