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Sindicarne - Goiás

A nave dos caipiras

Nos anos 50, o Brasil começou a modernizar seu parque ferroviário com a importação de locomotivas movidas a óleo diesel em substituição às marias-fumaças. Pena que o País não deu seguimento a esse projeto, e hoje temos uma ferrovia praticamente desmantelada, que deu lugar às rodovias esburacadas, sem condições de tráfego e com fretes cada vez mais caros.

As três primeiras locomotivas que entraram em Goiás saíram do Porto de Santos e desceram para Minas Gerais através da Rede Mineira de Viação. Aqui elas passaram por Três Ranchos, na divisa com Minas, Ouvidor, Catalão, Goiandira, Cumari, Anhanguera e, finalmente, Araguari, Triângulo Mineiro, que era a sede da Estrada de Ferro Goiás, cujo trecho total partia dessa cidade mineira e vinha até Goiânia, com ramificação para a cidade de Anápolis.

Meu pai, Constantino Rodrigues, era ferroviário com a função de maquinista. Ele e mais dois amigos, depois de cursos intensivos e estágios, foram escalados para buscar essas locomotivas em Santos. Essas máquinas causavam grande espanto por onde passavam, nas cidades e na zona rural. Era um barulho estranho, diferente das máquinas a lenha, além do formato e tamanho.

Na época, meu avô Joaquim Galdino Pereira tinha fazenda entre Ouvidor e Catalão e a estrada de ferro passava bem na porta. Eu era garoto, morávamos em Araguari e estava na fazenda durante as férias escolares.

Como os outros, eu também não esperava tamanha surpresa. Essas três locomotivas pararam em frente à fazenda. Meu pai e os amigos desceram para um café. Meu avô, apelidado “Nêgo Gardino”, e mais o amigo e vizinho Zico Caixeta subiram as escadas de uma das locomotivas e eu, mais curioso ainda, fui junto. Uma vez lá dentro, escutei o papo dos dois caipiras. Seu Zico Caixeta começou a dar aulas para meu avô sobre o funcionamento daquelas gigantes:

– Óia aqui, Nego. Isso aqui é o frei. Aquilo ali é a imbrenhage. Esse outro troço aqui é o celerado. Quilo ali é o breque…

Depois das primeiras explicações, meu avô disse:

– Já qui ocê tá muito sabido, onde fica intão a direção dessa máquina?

Zico Caixeta olhou para a direita, olhou para a esquerda, examinou atentamente o painel, coçou a cabeça, e disse:

– Nêgo, deixa de sê burro. Esses trem moderno agora é tudo otomático. Depois qui rompe, caminha suzim.

– Intão tá bão, disse meu avô.

 

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Luiz Carlos Rodrigues